quinta-feira, 17 de setembro de 2015

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quarta-feira, 4 de março de 2015

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quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Os Gatos não Têm Vertigens



O filme e a crise (dos valores)

Os Gatos não têm Vertigens, onde assuntos sérios são tratados com uma leveza fluida, não se enquadra na categoria de comédia romântica, tão pouco de thriller. É uma história de vida, mais próxima de Jaime do que de Call Girl ou A Bela e o Paparazzo, até porque reincide na vasta temática da adolescência. O que o filme tem de melhor é a forma como evidencia, em pano de fundo e de forma absolutamente transversal, a questão da crise. Não é uma crise generalizada, é mesmo esta que os portugueses vivem e sofrem. Está presente nos pormenores, do vizinho que perde o emprego e é obrigado a voltar à terra, da casa que não se consegue vender, do talho que abre falência.

Essa crise é também um dos planos centrais da trama intergeracional: o rapaz abandonado por pai e mãe que não tem onde cair morto, a velhota abandonada pela família que faz de tudo para contornar a solidão. Lembra o audacioso programa que existe no Porto, em que idosos recebem estudantes universitários, alojamento em troca de companhia, um bom negócio para ambas as partes.

No plano exterior, em Os Gatos não têm Vertigens tudo rui. Sobretudo a família que está em crise, não só no sentido urbano pós-moderno - os pais não têm tempos para os filhos e mais tarde os filhos não têm tempo para os pais -, mas também no sentido trágico e 'neorrealista': o pai é bêbedo e dá pancada no filho, que rouba para viver numa delinquência forçada e vai parar a um terraço onde Rosa a trata como um gato.

Não obstante estes ligeiros traços, não há qualquer proximidade com o neorrealismo (nem o do cinema italiano, nem o mais recente do cinema romeno, tão pouco do Cinema Novo onde as primeiras obras de António-Pedro se poderiam enquadrar). Porque o realizador faz questão de artificializar este mundo real, sacando-o do domínio palpável, pois só assim entra no território da fábula. E é isso que o filme é ou em que se transforma: um conto de fadas urbano, que envolve uma história de amor platónico (Rosa substitui o marido por Jô). E assim, o pesado contexto de crise (monetária e de valores) é tratado de forma leve, com uma moral positiva e fácil, indicando que por mais trágicos que sejam os factos, há sempre uma saída limpa. Os gatos não têm vertigens porque caem sempre de pé.

Manuel Halpern

Matemática melhor do que críticos a identificar filmes memoráveis



Nem as críticas de cinema, nem os gostos do público, nem as vendas de bilheteira permitem prever tão bem a importância a longo prazo de uma obra cinematográfica como uma análise por computador de grandes massas de dados.

Pela primeira vez, uma equipa de cientistas nos EUA, liderada por um investigador português, comparou várias maneiras, tanto subjectivas como objectivas, de “medir” a influência dos filmes de Hollywood. E conclui, na última edição da revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), que a melhor maneira de saber se um filme ficará na história não passa pela opinião dos críticos, mas… por um programa informático que conta o número de vezes que esse filme continua a ser referenciado, citado, por filmes ulteriores, muitos anos mais tarde.

“Os críticos de cinema podem ser demasiado peremptórios a declarar a grandeza de uma obra – e são tendenciosos”, diz em comunicado Luís Amaral, especialista português de redes e sistemas complexos, radicado nos EUA, onde trabalha há mais de dez anos na Universidade Northwestern. “O nosso método não podia ser mais objectivo.”

Os investigadores realizaram um estudo de milhares de filmes norte-americanos listados no célebre site IMDb (Internet Movie Database). Estabeleceram assim uma lista dos filmes mais influentes segundo um critério por eles determinado. A seguir, compararam os seus resultados com o Registo Nacional de Filmes (NFR), uma lista criada em 1988 pelo Conselho Nacional de Preservação dos Filmes dos EUA (o National Film Preservation Board, que depende da Biblioteca do Congresso). Essa lista, que contém actualmente 625 obras “de importância duradoura para a cultura americana”, é actualizada anualmente através de “uma cuidada avaliação e deliberação”, escrevem os autores na PNAS. Os filmes elegíveis devem ter pelo menos dez anos de idade e ser considerados “cultural, histórica ou esteticamente significativos”. A presença de um filme no NFR atesta assim, da forma mais fiável possível, “do impacto, da influência, da importância das obras de criação” que são os filmes, salientam.

Em que consistiu a análise que eles próprios fizeram? Acontece que, pelo seu lado, o IMDb lista, para cada filme, numa rubrica intitulada “ligações” (connections), links para outros filmes que, de uma maneira ou outra, façam alusão a esse filme (trata-se de dados obtidos através do contributo dos utilizadores do site).

“Existe uma ligação entre dois filmes quando uma sequência, uma personagem ou um qualquer outro elemento do filme referenciado foi adoptada, utilizada ou imitada no filme que faz a referência”, explicam os autores. O nível de pormenor atingido pode ser estonteante, como o mostra um dos exemplos dados pelos cientistas: a ligação entre o filme Arizona Júnior, de 1987, e A Noite dos Mortos-Vivos, de 1981, deve-se ao facto de os seus respectivos protagonistas guiarem um carro Oldsmobile Delta 88.

Com base neste manancial de dados, a equipa construiu uma rede de ligações entre 15.425 filmes, ligados por 42.794 citações. Nesta abordagem, a importância de cada filme é representada pelo número de filmes que o citam, tal como o impacto de um artigo científico é avaliado através do número de outros artigos científicos que o mencionam.

Como “medida” da importância dos filmes vista pelo prisma dos críticos de cinema, os cientistas utilizaram, em particular, a nota atribuída aos filmes pelo site Metacritics, que é calculada com base em múltiplas críticas publicadas sobre esse filme. Por último, para quantificar a opinião do público, recorreram aos votos do público registados, mais uma vez, no IMDb.

Resultado: a contagem do número de citações de um dado filme por outros filmes é o método mais fiável para prever a presença desse filme no Registo Nacional de Filmes – e em particular, quando esse filme tem 25 anos ou mais. Ou seja, são as citações de um filme presentes noutros filmes ao longo de muitos anos que melhor atestam da sua “grandeza”.

“A nossa análise mostra que a contagem das citações associadas aos maiores intervalos de tempo [entre o filme citado e o filme que cita] são o factor que melhor permite prever a presença de um filme no NFR”, concluem os cientistas. Entre os filmes que possuem uma história particularmente longa de citações – e que constam, de facto, do referido registo – estão O Feiticeiro de Oz, A Guerra das Estrelas, Psico, Casablanca e Tudo o Vento Levou.  “Os cineastas estão sempre a regressar aos filmes importantes”, diz Luís Amaral.

“A importância de um filme não é uma componente visível, mas existem coisas que conseguimos medir, tais como as notas dos críticos, o número de prémios ou de citações por outros realizadores – e que dão pistas acerca dessa componente escondida", acrescenta o investigador. "E, em última análise, o que vemos é que não são os críticos, mas os criadores, os próprios realizadores, que vão determinar quais são os filmes realmente importantes.” Quem decide de forma fiável se uma obra de cinema passará ou não à posteridade também não são, já agora, nem os Óscares nem Cannes ou outros prestigiados festivais internacionais.
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