sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Anticristo, de Lars Von Trier


A estética contra a ética no novo filme de Lars Von Trier



Lars Von Trier é, possivelmente, o mais perverso realizador da História do Cinema. Não tem ética nem escrúpulos, é moralmente repugnante. Absolutamente odioso. Contudo, genial. É esse génio maléfico que faz com que o odiemos tanto sem que consigamos deixar de gostar dele. Se tudo isto se aplica a Ondas de Paixão, Os Idiotas e Manderlay, o que dizer de Anticristo, o primeiro filme catalogado no género de terror? Pois, poupem as vossas mentes sãs e não vão ver este filme. Contudo, não deixem de o fazer, pois é uma experiência totalmente nova de cinema (ainda que plausivelmente traumática) sem recurso à tridimensionalidade. Por mais que nos irrite, o que Lars Von Trier não tem de ético, tem de estético. E, nos últimos anos, nenhum outro realizador assumiu um papel tão preponderante e consistente de reinvenção do cinema (Trier mistura o ecletismo de Kubrick com os ambientes de Lynch ou Cronenberg e uma mão cheia de contextos que o próprio inventou), sem nunca perder a sua voz, ou as suas vozes. O exemplo máximo do contraste criminoso entre o vislumbre estético e a negligência ética é o prelúdio do filme, numa estilização absoluta, em que filma a morte de uma criança, com uma banda sonora de conto de fadas, numa aberrante crueldade para as personagens e para os espectadores. Isto na tentativa convicta de incidir a culpa, conceito dominante no seu imaginário, assim como o de castigo.

A partir da morte do filho, Trier desenvolve uma obra de terror psicológico, em que o marido/pai/psicólogo assume o tratamento da sua mulher. Há uma perscrutação dos medos, que faz pouco sentido atendendo à evidência da situação traumática, que leva o casal à Floresta de Éden, o jardim proibido, onde se escondem os três pedintes: dor, desespero e luto. A natureza é a Igreja de Satanás, e a trama precipita-se para a loucura. Não é um filme de sustos, mas tem algumas das imagens mais horrendas que já vi em sala.

Entre as ousadias formais está o elenco minimal. Anticristo é uma peça para dois actores e três animais selvagens. Os actores são extraordinários no talento, mas estranhos de feições, mesmo ao gosto do realizador dinamarquês. O trabalho de Willem Defoe e Charlote Gainsbourgh é verdadeiramente notável, aguentam quase duas horas de filme, em que pouco mais existe senão eles próprios, em interpretações visceralmente contidas.

A determinada o filme encaminha-se para uma irónica e cruel paródia à psicologia, e essa leitura subsiste, quando ela diz: "Tive um sonho estranho, mas os sonhos já não interessam nada à psicologia moderna, pois não?" É caso para dizer: Freud morreu, o Lars Von Trier é louco e eu já não me estou a sentir muito bem.

|Fonte: Manuel Halpern, Visão

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