"Tu n'as rien vu a Hiroshima!"
Este é um dos melhores filmes de sempre. Com um argumento fabuloso de Marguerite Duras, envolve o espectador num clima de nostalgia e de exploração da intimidade da personagem feminina, interpretada por Emmanuelle Riva que acaba por ser um mergulho de chofre nas contradições da alma humana.
Este é um dos melhores filmes de sempre. Com um argumento fabuloso de Marguerite Duras, envolve o espectador num clima de nostalgia e de exploração da intimidade da personagem feminina, interpretada por Emmanuelle Riva que acaba por ser um mergulho de chofre nas contradições da alma humana.
Um factor que nos induz à estranheza é o facto das personagens não revelarem o seu nome, acabando por assumir, no fim do filme, o nome das suas cidades natais. Cidades muito afastadas no tempo e no espaço, mas onde cada um dos dois amantes foi vítima dum cataclismo avassalador: ele (interpretado por Eiji Okada) quando regressou da guerra encontrou Hiroshima destruída pela primeira bomba nuclear usada na História numa situação real, uma cidade pulverizada que sepultou toda a sua família. Ela, natural da cidade de Nevers, viveu aí, aos 18 anos, um romance com um soldado alemão que morreu nos seus braços, vítima dum tiro oportunista no dia em que a cidade estava a ser libertada pelos aliados. A festa da libertação veio descobrir a condição trágica dos amantes que em tempo de guerra preferiram o amor ao ódio e acreditaram num mundo onde a paz poderia ser possível, para além das dilacerações políticas, étnicas, históricas, dum mundo em convulsão que nunca mais voltaria a ser o mesmo.
Morto o seu amante, a jovem cai nas mãos duma população sedenta de vingança que encontra nas mulheres que dormiram com o inimigo um bode expiatório mesmo à mão de semear.
E dá-se a queda na loucura, a reclusão numa cave imunda, até que a razão pudesse emergir de novo e, com ela, o regresso da rapariga à vida. Depois, a fuga para Paris para se refugiar no esquecimento da sua identidade esmagada pelo amor, pelo ódio, pela morte. Chega a Paris no dia em que Hiroshima é devastada pelo terror nuclear. Apesar disso a destruição de Hiroshima é vivida à distância como uma promessa de Paz, como o fim da guerra e a possibilidade dum recomeço.
A grande intensidade do filme resulta em parte do facto da acção se passar num período muito curto, de cerca de 24 horas, o que nos aproxima da tragédia clássica. Dois desconhecidos encontram-se e vivem uma relação intensíssima, condenada à efemeridade, porque ambos são casados e não querem, ou não podem, romper com as suas vidas. No fundo é como se situassem no começo do mundo, ao ponto de se assumirem como personagens de um drama universal, ele reconhece-se no soldado alemão morto, ela assume-os como o mesmo Amante, o Amante Eterno, para quem não há nascimento nem morte, ou, dito de outra forma, em função do qual os nascimentos e as mortes se sucedem como vagas insubmissas do Esquecimento. Porque a memória, mesmo a mais funda e excelsa reminiscência, é sempre uma traição, um querer mais que bem querer.
E no centro de tudo, Hiroshima. Reduzida à ubiquidade, presente em ausência e impossibilidade de redenção, nas margens do Loire, onde a luz é mais doce, porque pertence à infância e à adolescência da mulher abissal, a mulher impossuível que, em 24 horas transborda as margens do rio Ota, cujo caudal de posterioridade se junta ao caudal do Loire da anterioridade impreterível ,para submergir o mundo.
E o espectador não sai imune deste filme porque é as suas vísceras que Marguerite Duras expõe num dos textos mais duros e mais belos que o cinema conheceu até hoje. E no fim deste exercício de esplancnomancia ou nos descobrimos vivos nos interstícios da morte, da separação e da memória, ou nos desconhecemos mortos e a vida continua como sempre. Seja como for o nosso nome não é auto-referencial, é sempre um indício de estranhamento.
Poucos filmes nos colocam nessa situação.
Embora alguns tenham revisitado a ambiência escatológica (reveladora) de Hiroshima, ficaram-lhe sempre na periferia, como nas duas obras de Richard Linklater Before Sunset (2004) e Before Sunrise (1995), nas quais uma dupla de actores, Ethan Hawke e Julie Delpy, procura reencarnar o par dramático de Hiroshima, meu amor, mas um história eterna só se (re)vive/encena uma vez. Mas Before Sunrise vale bem por si. O que já não é mau.
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(Para ver todo o filme basta ir clicando nas partes seguintes).
Morto o seu amante, a jovem cai nas mãos duma população sedenta de vingança que encontra nas mulheres que dormiram com o inimigo um bode expiatório mesmo à mão de semear.
E dá-se a queda na loucura, a reclusão numa cave imunda, até que a razão pudesse emergir de novo e, com ela, o regresso da rapariga à vida. Depois, a fuga para Paris para se refugiar no esquecimento da sua identidade esmagada pelo amor, pelo ódio, pela morte. Chega a Paris no dia em que Hiroshima é devastada pelo terror nuclear. Apesar disso a destruição de Hiroshima é vivida à distância como uma promessa de Paz, como o fim da guerra e a possibilidade dum recomeço.
A grande intensidade do filme resulta em parte do facto da acção se passar num período muito curto, de cerca de 24 horas, o que nos aproxima da tragédia clássica. Dois desconhecidos encontram-se e vivem uma relação intensíssima, condenada à efemeridade, porque ambos são casados e não querem, ou não podem, romper com as suas vidas. No fundo é como se situassem no começo do mundo, ao ponto de se assumirem como personagens de um drama universal, ele reconhece-se no soldado alemão morto, ela assume-os como o mesmo Amante, o Amante Eterno, para quem não há nascimento nem morte, ou, dito de outra forma, em função do qual os nascimentos e as mortes se sucedem como vagas insubmissas do Esquecimento. Porque a memória, mesmo a mais funda e excelsa reminiscência, é sempre uma traição, um querer mais que bem querer.
E no centro de tudo, Hiroshima. Reduzida à ubiquidade, presente em ausência e impossibilidade de redenção, nas margens do Loire, onde a luz é mais doce, porque pertence à infância e à adolescência da mulher abissal, a mulher impossuível que, em 24 horas transborda as margens do rio Ota, cujo caudal de posterioridade se junta ao caudal do Loire da anterioridade impreterível ,para submergir o mundo.
E o espectador não sai imune deste filme porque é as suas vísceras que Marguerite Duras expõe num dos textos mais duros e mais belos que o cinema conheceu até hoje. E no fim deste exercício de esplancnomancia ou nos descobrimos vivos nos interstícios da morte, da separação e da memória, ou nos desconhecemos mortos e a vida continua como sempre. Seja como for o nosso nome não é auto-referencial, é sempre um indício de estranhamento.
Poucos filmes nos colocam nessa situação.
Embora alguns tenham revisitado a ambiência escatológica (reveladora) de Hiroshima, ficaram-lhe sempre na periferia, como nas duas obras de Richard Linklater Before Sunset (2004) e Before Sunrise (1995), nas quais uma dupla de actores, Ethan Hawke e Julie Delpy, procura reencarnar o par dramático de Hiroshima, meu amor, mas um história eterna só se (re)vive/encena uma vez. Mas Before Sunrise vale bem por si. O que já não é mau.
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(Para ver todo o filme basta ir clicando nas partes seguintes).
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